Recanto que sempre apela a um salto quando o sol brilha. É já ali! Onde o licor de ginja é história. Onde ele vai com ou sem elas. Onde se repete, sempre com o limite do sopro no balão, não vá a nossa viatura passar-nos uma multa por ser mal conduzida. Onde de há uns anos se mistura o doce néctar alcoolizado da ginja com o travo do chocolate amargo e tudo se come e se bebe. De vielas e ameias onde se sentem passos descalços de antanho, se escutam os trotes dos cavalos levando cavaleiros que farão chispar faíscas das suas espadas contra os intrusos, ou se respiram fumos de caldeirões à lareira, sempre prontos a oferecer uma sopa ao visitante, quando a palavra automóvel ainda não era sonhada, sequer. E onde as pedras que se calcam continuam a falar na língua que o país foi moldando dos cruzados, árabes e outros extra-terrestres que se vieram juntar aos que já há muito se tinham juntado ao pó. Onde nos podemos sentar ao balcão, ou à esplanada, tão-só, e escutar o burburejar de turistas carregando "souvenirs" que falam diversas línguas do mundo, enquanto empurramos uma bebida que escorre em português. Local que já vi mais bem tratado, ou terá sido do outono dos meus olhos de finais de Outubro, com buganvílias esquivas e se esvaindo para o inverno, que prenunciam humidade e frio a mais que aumentarão o número de paredes com tinta a cair, escuras, tão longe do caiado e pintado que tinha visto na última vez que ali andei. Onde reparei em casas com muitas épocas de história e de quantos seres humanos a calcorrearem as escadas e a dormirem naquelas células a que chamavam quartos e onde viram os seus filhos crescerem e tomarem-nas para si e seus filhos, mas já com telhados e parte das suas paredes a ruir, quem sabe a não quererem fugir à música económica em moda no país actual. Mas continua bela, esta Vila de Óbidos, mesmo que pudesse manter-se sempre mais bela.
O recato
22 hours ago