Thursday 17 January 2013

17 de Janeiro de ... ...


Ciclicamente, visito cristalinamente este dia.
Foi em momentos que se situam entre as 17:00 e as 17:30.
Foram antecipados por vários momentos de preocupação, especialmente durante as últimas semanas, porque se levantou um problema para o que, naqueles tempos, era bem real, tão real quanto a inexistência dos meios de diagnóstico e de terapia preventiva que actualmente existem.
Dizia o médico:
- Há que estar atento, logo nos primeiros segundos de vida, a uma rápida análise de sangue para determinar o RH e, se necessário, aplicar o tratamento específico, sob pena de um ou ambos perecerem. E mesmo assim...
Era encorajador para um jovem e uma jovem que iriam ter essa sua primeira experiência única de vida, mesmo que se pudesse repetir mais do que uma vez, ouvir isto da boca de um conceituado médico! UFF!
Foi entre as 17:00 e as 17:30, e eu não estava presente no local, porque não era aceitável, naquele tempo.
Mas também porque coincidiram outras preocupações no mesmo tempo.
Na semana anterior, tinha saído em Ordem de Serviço a minha mobilização para um destacamento, a cerca de meio milhar de quilómetros.
Momento para a saída da coluna marcada para a meia-noite do mesmo dia. E aí, não era admissível que eu não estivesse. Havia que preparar a partida.
A outra é que, com as atribulações que ela pressentia estarem quase a acontecer desde o dia anterior, o meu estômago não sabia o que era eu comer, o que quer que fosse, e o meu descanso não sabia o que era eu dormir um segundo desde as últimas 48 horas.
Enrolado pela conversa do médico, ausentei-me por não mais do que 45 minutos, para poder ir a casa comer qualquer coisa.
Disse ele - seriam umas 16:45 - que nada iria acontecer antes de passarem muitas horas.
Cheguei às 17:30, mais minuto, menos minuto, e encontrei “uma coisa” morena, cabeluda que parecia não ter visitado o barbeiro nos últimos 9 meses, “cabeça afiada” que parecia ter sido criado com uma prensa na cabeça, pele enrugada, dormindo tão profundamente que parecia estar a recuperar do sono que eu não tinha tido. Enfim, uma horrível miniatura de pessoa, como, aliás, são os bebés à nascença, para quase todos os pais.
Um “pilas”.
Com voz autoritária, e fininha do sentimento do momento, como militar “dei ordem” para que mulher e sogra tratassem de dar àquela cabeça um ar apresentável.
Foi em momentos que se situam entre as 17:00 e as 17:30.
Foi a 17 de Janeiro de 1974.
Ontem, portanto.
Assim que tive que sair do hospital, apressei-me a juntar três amigos do peito e, em minha casa, lá fomos falando com os copos de 4 garrafas de whisky - daquele que era mais barato que água, que era uma das poucas boas coisas que o serviço militar nos oferecia – e fui-me preparando para os tempos de ausência do “cabeça afiada”. Uns muito longos dois meses, até ao meu primeiro desenfianço do destacamento.
Saí quase de rastos directamente para o quartel, mas um dos outros, nem isso. Teve mesmo que ser arrastado.
Para mim, continua o pilas de ontem, só que, agora, longe. A distância do tempo leva-me a mim mais rápido do que a ele. A ordem natural dita que o ontem, para ele, é hoje, enquanto para mim já está em fim de linha.
Nem por isso deixo de sentir o orgulho do filho que tenho porque - com vossa licença - nenhum de vós tem um filho a merecer tanto orgulho como o meu.
Daria tudo para que o tempo me levasse novamente à cidade Sá da Bandeira/Lubango, a 1974, e a estes trinta e nove anos passados, esperando que, ciclicamente, possa vir a repetir este momento por muitos mais, mesmo que só de longe o possa observar, onde quer que esse longe se situe.
A ti Paulo, tudo de bom na tua vida.
Um abraço de amigo e de pai.
Para ela, o meu obrigado por ter dado metade, mais 100%, de si, para e por este pilas de que nos orgulhamos tanto.

Tuesday 1 January 2013

2013 já nos bateu à porta

Já fui apanhar ar fresco.
Está saturado do ano anterior.
Acho que o país acordou a dormir, neste novo 1º dia, deste novo ano.
Ai de quando acordar do sono!
Vai ser de pesadelos.
O primeiro dia de um novo ano pode ser tão bom como outro qualquer, para começar uma nova vida velha.
Não se iludam.
As inconstitucionalidades são as antigas, sempre parecidas com as outras, embora nunca iguais, porque o sacanço começou cedo, logo que as utopias se reconverteram em realidade, mas viu sempre o seu índice a aumentar. Vá, está bem, foi mesmo antes disso.
E não nos esqueçamos: a primeira grande inconstitucionalidade foi ter-se criado um sistema para o qual o país não estava constituído.
O 25 de Abril nem sequer viu o rascunho preparado em papel pardo.
Deu flores de um vermelho tão lindo mas, por isso mesmo, demasiado feminino, demasiado sentimental, demasiado coronário para se chamar revolução de militares.
Militar que se preze tem barba de cima a baixo, anda de arma aperreada, faz planos estratégicos e de acção, conta canos e almas, sabe onde e quem são os corpos que vão levar a alma nacional à podridão.
Não os deixa germinar.
E deixou que nascessem democracias a mais, para este povo que tinha amargurado 50 anos de cada vez, desde que o nosso Afonso puxou da estalada maternal, sempre em silêncio, sempre sem saber pensar, sempre sem poder pensar, sem nunca ter aprendido a decidir, sempre deixando às linhas azuis que se decidissem por ele.
Já fui apanhar ar fresco, mas acho que ainda estou com pesadelos do ar saturado do velho ano.
Ai de quando acordar!