Thursday, 23 December 2010

Tudo é relativo, menos a felicidade

Tinha feito os meus sete anos, estávamos em Dezembro, e o Natal estava à porta. Pela primeira vez visitava, de forma consciente (eu tinha sido levado para Angola, aos dezasseis meses de idade), a aldeia onde nascera. Foi por um período de férias familiares que se prolongaram por um pouco menos que um ano. Desse período, guardo na memória alguns momentos da breve passagem pela escola da aldeia; das brincadeiras com familiares que não conhecia; de amigos que foram feitos e que foram rapidamente perdidos no tempo e na distância - se bem que não esquecidos; do quotidiano da vida difícil da maioria dos residentes, agarrados quase exclusivamente à agricultura, que eu adorava presenciar; de alguns passeios de carro pelas redondezas. Mas há um momento que, nesta quadra que atravessamos, me assalta e que vejo e revejo, com cada vez maior assiduidade, nas gravações do filme da minha vida. Habituado ao melhoramento, ano a ano, das prendas que o "Menino Jesus" me deixava no sapatinho, nas passagens do dia 24 para o dia 25, naquela Angola distante, encontrava-me em grande ansiedade para saber como se ia comportar o "Menino Jesus" desta terra. Como todas as crianças, quase não dormia, sempre correndo para um e outro lado, na ânsia de chegar rápido ao Natal. E ele chegou. Noite passada com um olho a dormir e outro acordado, de ouvido atento a todos os sons que podiam chegar da lareira, onde presumivelmente o Pai Natal, a mando do Menino Jesus, iria entrar chaminé abaixo, saco carregado, para deixar o que tinha pedido, eis que a manhã se me apresentou. Como sempre, eu e os meus irmãos fomos bater à porta do quarto dos meus pais a pedir autorização para vermos o que nos tinha calhado. Autorização dada, lá fomos remexer os papéis dos embrulhos, poucos, logo constatámos face à alta expectativa que tínhamos. Com ar de algum desalento, lá fomos, como habitualmente, mostrar aos nossos pais, o que nos tinha tocado. Tentaram adoçar-nos a desilusão.
Porque não estávamos em Angola, diziam. Porque na terra onde estamos, não há Pais Natal tão ricos. Que os outros meninos também não teriam tido coisa muito melhor. Mais isto e mais aquilo, até nos conseguirem abafar o choro mudo que nos saía das almas. Saímos, ainda os primeiros raios do sol mal se tinham dado a conhecer, e que frios que estavam! Como tínhamos combinado com os nossos primos e alguns amigos, encontrámo-nos frente à nossa casa, exibindo os brinquedos, começando a brincar com eles, trocando-os desta para aquela mão. Carros para aqui, bonecas para acolá, biciletas de madeira pintadas, com bonecos que se movimentavam ao sabor do movimento das rodas, etc. Até que perguntámos: e onde é que pára o Hermes? Porque é que ainda não veio? Deixei o grupo e dirigi-me ao portão da nossa casa, que também dava acesso, por um caminho de uns cem metros, às traseiras da sua, pronto a chamá-lo, para vir partilhar connosco aquele momento. Vi-o, de imediato, com uma corrida muito típica dele a dirigir-se ao grupo, ao mesmo tempo que gritava de uma alegria que nunca mais voltei a ver: - O que é que vos saiu? A mim saiu-me uma filhó e cinco tostões!
TENHAM UM BOM E SANTO NATAL, CHEIOS DE FELICIDADE.