“Passos Coelho defendeu ontem a indexação dos salários da função pública à produtividade.”, lê-se no jornal Público (01.06.2011)
Lembro-me de, desde a segunda metade da década de 80, se ter iniciado - e sempre em crescendo - a introdução das ideias de “exploração” da actividade que é exercida pela Administração Pública (AP) como se de uma actividade privada se tratasse, como se fosse industrial ou, pior ainda, cada Direcção-Geral fosse uma empresa de comércio.
Começou, entre outras coisas (como a de que a AP tinha que seguir as regras de concorrência, por exemplo), com o seu símbolo máximo: o cidadão - ou outro utilizador dos serviços públicos - deveria ser tratado como “CLIENTE”.
Ora, cliente é sinónimo de (dizem os dicionários) “pessoa que requer serviços mediante pagamento, que compra algo; comprador; freguês”.
Ao ponto onde o avanço de tal ideia nos trouxe, parece-me, ninguém tem dúvidas. Mas há sempre alguns que querem mais e não hesitam em atirar tudo ao precipício, no afã de, dos cacos, apanharem uma jóia reluzente.
Sabemos, não vale a pena metermos a cabeça na areia, que a AP sofreu uma desmesurada inflação nos recursos humanos, no período a seguir à revolução de Abril, como forma de secar potenciais conflitos sociais, tal o nível a que chegou a destruição do tecido económico e, com ele, a possível horda de desempregados, não fosse a abertura de todas as portas, mesmo as que não existiam, a quem quer que se apresentasse à função pública.
Depois, temos assistido à desenfreada distribuição de lugares públicos, dos mais humildes aos mais elevados, como forma de comprar votos e garanti-los no futuro, quiçá até, dominar pontos chave do poder administrativo do Estado, ou “dividindo” o Estado em tantas partes quantas as que conseguem a imaginação e as necessidades partidárias, quer dentro da Adinistração Central, quer fora dela, criando e fazendo nascer, com mais facilidade que cogumelos, instituições e empresas públicas que prosseguem funções em cumulação com as funções públicas tradicionais para as quais existem Direcções-Gerais ou equivalentes, ou mesmo em contradição com elas, ou fingem que têm algo útil a prosseguir a par delas, e chegámos, sem dúvida, a um corpo da AP insustentável.
Nunca se viu, ou só se viu de forma tíbia, um partido político “meter o dedo na ferida” e tomar as medidas que, em minha opinião, são realmente necessárias.
Tem sido este o caminho escolhido pelos principais partidos políticos que, nos últimos tempos, ou não têm quadros capazes de analisarem as reais causas do estado a que o Estado-Administração chegou ou/e de tomarem as consequentes e necessárias medidas que ele necessita.
A manutenção do princípio de que o Estado-Administração tem de prosseguir a sua actividade pública como se privada fosse vai-nos atirar, definitivamente, lá para o fundo, onde nem cacos sobrarão.
Não há outra forma de ver o exercício da função pública (entenda-se, as funções públicas) que não seja como o exercício de uma missão, onde o objectivo primordial é servir, com desprendimento (abnegação, generosidade e independência), os que são a sua razão de existir, quer como fim, quer como meio de financiamento da mesma. De forma racional, q.b., mas não mais que isso. Sem querer dizer que quem se dedica a essa missão tenha que ser “franciscano”.
A este propósito, sem que esteja totalmente de acordo com o que a sua ironia pretende transmitir, vem bem a calhar lembrar este texto de José Saramago:
Começou, entre outras coisas (como a de que a AP tinha que seguir as regras de concorrência, por exemplo), com o seu símbolo máximo: o cidadão - ou outro utilizador dos serviços públicos - deveria ser tratado como “CLIENTE”.
Ora, cliente é sinónimo de (dizem os dicionários) “pessoa que requer serviços mediante pagamento, que compra algo; comprador; freguês”.
Ao ponto onde o avanço de tal ideia nos trouxe, parece-me, ninguém tem dúvidas. Mas há sempre alguns que querem mais e não hesitam em atirar tudo ao precipício, no afã de, dos cacos, apanharem uma jóia reluzente.
Sabemos, não vale a pena metermos a cabeça na areia, que a AP sofreu uma desmesurada inflação nos recursos humanos, no período a seguir à revolução de Abril, como forma de secar potenciais conflitos sociais, tal o nível a que chegou a destruição do tecido económico e, com ele, a possível horda de desempregados, não fosse a abertura de todas as portas, mesmo as que não existiam, a quem quer que se apresentasse à função pública.
Depois, temos assistido à desenfreada distribuição de lugares públicos, dos mais humildes aos mais elevados, como forma de comprar votos e garanti-los no futuro, quiçá até, dominar pontos chave do poder administrativo do Estado, ou “dividindo” o Estado em tantas partes quantas as que conseguem a imaginação e as necessidades partidárias, quer dentro da Adinistração Central, quer fora dela, criando e fazendo nascer, com mais facilidade que cogumelos, instituições e empresas públicas que prosseguem funções em cumulação com as funções públicas tradicionais para as quais existem Direcções-Gerais ou equivalentes, ou mesmo em contradição com elas, ou fingem que têm algo útil a prosseguir a par delas, e chegámos, sem dúvida, a um corpo da AP insustentável.
Nunca se viu, ou só se viu de forma tíbia, um partido político “meter o dedo na ferida” e tomar as medidas que, em minha opinião, são realmente necessárias.
Tem sido este o caminho escolhido pelos principais partidos políticos que, nos últimos tempos, ou não têm quadros capazes de analisarem as reais causas do estado a que o Estado-Administração chegou ou/e de tomarem as consequentes e necessárias medidas que ele necessita.
A manutenção do princípio de que o Estado-Administração tem de prosseguir a sua actividade pública como se privada fosse vai-nos atirar, definitivamente, lá para o fundo, onde nem cacos sobrarão.
Não há outra forma de ver o exercício da função pública (entenda-se, as funções públicas) que não seja como o exercício de uma missão, onde o objectivo primordial é servir, com desprendimento (abnegação, generosidade e independência), os que são a sua razão de existir, quer como fim, quer como meio de financiamento da mesma. De forma racional, q.b., mas não mais que isso. Sem querer dizer que quem se dedica a essa missão tenha que ser “franciscano”.
A este propósito, sem que esteja totalmente de acordo com o que a sua ironia pretende transmitir, vem bem a calhar lembrar este texto de José Saramago:
«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E, finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional.
Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.»
In Cadernos de Lanzarote - Diário III
4 comments:
Agridoce,
Eu acho, pessoalmente que é preciso diferenciar duma parte a função puramente administrativa e doutra parte a função de produção de bens e serviços. O primeiro sendo o interesse do Estado, e o segundo, o interesse publico.
O único problema deste esquema é Portugal e não o esquema.Na verdade, em Portugal um empregado é um servo que deve contentar se com migalhas. Há cidadãs de primeira e a plebe.
Enquanto for assim nem no antigo modelo nem noutro mais moderno, nada pode funcionar.
Mudamos dum sistema político que não respeitava o individuo para um sistema que odeia um grupo de indivíduos.
Quando entendermos que todos tem um lugar, que todos podem ter uma utilidade, então deixaremos de perder tempo e de fazer perder tempo a quem já tem pouco.
...Talvez um milagre?
HMB
Tentando desligar-me de uma imagem estereotipada que o povo português detém da generalidade dos funcionários públicos, também não concordando, numa primeira e rápida análise, desta ideia de Passos Coelho, não queria deixar de referir o seguinte:
Se o “exercício da função publica deve ser uma missão, onde o objectivo primordial é servir” , como referes no teu texto, o que fazer quando isso não acontece?
Que medidas se podem e devem tomar para responsabilizar aqueles que para além de não encararem o exercício da sua função como missão, nem sequer o exercem como uma tarefa para a qual são remunerados?
Nesta foto todos ficam mal, os funcionários que não tiveram a capacidade para alterar a imagem que se criou deles;
Os políticos que utilizam a função publica para pagamento de favores pessoais e partidários;
E nós, todo o povo português, que não soube exigir dos funcionários públicos e dos políticos uma alteração de comportamentos.
Onde está a solução? Qual o melhor modelo?
Eu não sei, mas tenho esperança que quem saiba faça algo para corrigir o caminho e tornar mais risonho o futuro.
HMB,
Tens toda a razão. Só e se quando todos entenderem que todos estão no mesmo barco, é que se vai lá. Ou seja, nunca.
Abraço.
ANONYMOUS,
Citei Passos Coelho, mas foi apenas como mote. Nada contra ele, nem com o que ele disse. Contra ele, nada, porque ainda não sabemos "como está por dentro" e o que de lá vai sair, quando "o abrirmos". Se.
Não tenho preconceitos contra qualquer modelo, embora, como é óbvio, prefira mais um do que outros. O problema, no nosso caso português (não é unico, mas com o mal dos oputros podemos bem), é que se pretende impor um modelo para todos, mas onde nem todos cabem. Querem os melhores dos mundos do modelo que pretendem implementar, mas sem querer perder os mundos bons que os outros modelos têm. Resultado, misturam conceitos, valores e princípios distintos, muitas vezes antagónicos e sai... m... isso mesmo.
O modelo que defendo, penso e estou convicto disso, seria o melhor. Mas não o vou apresentar aqui, nem as soluções. O espaço é curto, e esse trabalho tem preço :-)))
Como penso que não sou o único a pensar da mesma maneira, aguardo que alguém avance, para que o futuro esteja mais perto e mais risonho.
Post a Comment