Esta Europa nos atirou para o mar, esta Europa nos retirou o mar, esta Europa está a acabar.
Só nos resta nós e o mar, novamente.
Quase meio século de viragem, com quase meio século de atraso, distorceu-nos os caminhos e continua a fazê-lo, deixou-nos virados do avesso.
Embalaram-nos e deixamo-nos embalar por vidas fáceis, trazidas por dinheiro a rodos que agora nos vão custar vidas, mesmo que não se venham a ouvir tiros pelas ruas, e ninguém pode garantir que isso não aconteça. O cheiro da pimenta e da canela e do ouro nos entonteceu e nos levou a algum período de glória, mais ficcionada que real, e os bens que temos andado a comprar com o dinheiro que nos ofereceram, às fábricas que nos ofereceram o dinheiro, levou-nos ao abismo, num momento em que tudo se concerta para nem podermos respirar, esperando que caiamos inanimados pelo sufoco. Ainda por cima, alguns de dentro ajudaram a comer e sugar os de dentro. Espera-se a justiça da Justiça, para estes, ou outra mais radical, se ela não for feita, porque há actos que não podem ficar impunes.
Nesta Europa autofágica não temos, pelo menos por enquanto, dimensão territorial e nem recursos para competir num mundo global, como nação milenar que somos e queremos continuar a ser.
Por isso, só nos resta sermos nós, como somos e como podemos ser, enquanto não fizermos crescer o potencial que temos e o aplicarmos cirurgicamente no que de melhor quisermos e pudermos fazer. E teremos muito mais do que se pensa, se quisermos pensar nisso a tempo e horas e de forma organizada, num todo, sem exclusões e pisadelas internas, sem pensarmos em continuar a ser bons alunos, nesta escola do mundo onde parece só andarem gandulos.
Esta Europa está a desfazer-se, empurrada pela inércia que desenvolveu à custa de enriquecimento fácil de alguns, por conta do empobrecimento de outros. Parou e não se adaptou às mudanças que imprimiu durante séculos, crente que se manteria rainha "per omnia secula seculorum". Quando já começava a cair, foi sugando o que a rodeava, dando ares de gigante, sempre a encher, até atingir o ponto de já nem aguentar com os seus ossos.
A Europa continuará a existir, mas as mudanças nesta Europa vão acontecer, vão ter que acontecer. Nada poderá ficar como está. Nada vai ficar como está.
Hoje, parece claro que este Euro já não tem pernas para andar - cortaram-lhe as pernas com tanta especulação e já nem se sabe bem quem especulou o quê e a quem – e, se sobreviver, vai ser mais como zombie, graças a mais artifícios que apenas o atirará para um trambolhão maior. Sem o Euro, deixa de fazer sentido estarmos ligados à defesa de interesses de outros, sem termos voz para defender os nossos interesses.
Bom seria que nos preparassemos para o que aí vem.
Bom seria que não nos ajudassemos a ajudar os outros a pulverizar este Jardim que os nossos antepassados compraram com muito sangue, muito suor, muitas lágrimas, com muita sabedoria política e diplomática. É a nossa casa. E, se não forem os da casa a tratar dela, ninguém o fará, mesmo que nos queiram vender a ideia de que vêm para ajudar.
Bom é que nos comecemos a preparar, a sério, para o caminho árduo que temos pela frente. Já não há tempo para brincar no intervalo, porque o intervalo já acabou.
2 - Vai ser preciso repensar a República e os seus valores.
Acabar com a carreira política como modo de vida.
Remunerar devidamente quem nela estiver, enquanto o estiver a merecer, por mandatos únicos, com prazo de duração suficiente para pensar no médio-longo prazo, sem deixar de atacar o curto-prazo.
À gestão incompetente do Estado, terá que haver sanção política, pelo menos. À gestão danosa e intencional no Estado, terá que haver ouro tipo de sanções, obrigatoriamente.
Para a promiscuidade entre os cargos e funções desempenhados na origem, terá que ser desenvolvido um eficaz filtro de destino.
3 - Vai ser preciso recriar instituições constitucionais funcionais que possam atravessar mares de tempestade que nos esperam, prontas a navegar contra todos os ventos, venham eles de que lado vierem.
Não precisamos de um tribunal constitucional para o que quer que seja, instituição com foros políticos, no que tem que ser apenas judicial, porque, se não é judicial, não tem que ser tribunal. Nem precisamos de ter agentes nos órgãos de justiça que fazem mais política e show-off nos meios de comunicação social que justiça.
Não precisamos de um presidente de república que não tenha poderes compatíveis com o de mais alto magistrado da nação. Nem que esse cargo seja ocupado como prémio de fim de uma carreira política, e que se estende por dois mandatos, com o primeiro a pensar ganhar o segundo, e neste a tentar matar saudades como chefe de governo.
Não precisamos de um chefe de governo que subjugue politicamente, através do partido político que lidera, os parlamentares da sua cor política, nem que exerça o cargo com lentes de míope, a olhar para o umbigo e para as eleições seguintes. Precisamos que, quem se apresente para esse cargo, nos apresente um claro Caderno de Intenções de Governação, que será escrutinado dia-a-dia.
Não precisamos de parlamentares que não têm vontade política própria, que por isso e nisso se escudam para não responderem políticamente a quem os elegeu, parlamentares que procedem à aprovação, na generalidade, dos projectos/propostas de leis que promovem em catadupa, e que, depois, correm para outra sala a aprovar na especialidade o que aprovaram e voltarão a aprovar em plenário, vestindo roupagens e almas duplas ou triplas, substituindo-se à natural existência de uma outra câmara com outros actores, a qual obrigaria a repensar o fabrico de leis, cujo poder de iniciativa, em exclusivo, devia estar no governo.
Num país com a nossa dimensão, não precisamos de regiões autónomas, que parecem existir mais para criar forças de desintegração do país, que para desenvolver o seu espaço em harmonia com o todo nacional, nem precisamos de órgãos de poder local que parecem ter existência própria fora do país e da sua legalidade.
Não queremos um Estado omnipresente, criando dependências em rede para tudo o que mexe ou que devia mexer.
O Estado deve permitir que a chamada sociedade civil se desenvolva sem que necessite em permanência que o Estado lhes forneça subsídios e lhes segure os riscos e os prejuízos, apenas descurando dela quando há lucros. Que a deixe sentir que tem que investir intra-muros, porque é cá que os filhos e netos e família e amigos vivem e deveriam sempre ter que viver, pelo que terão que colocar capitais financeiros nos cérebros que temos e nas instituições onde se podem desenvolver com esse capital (universidades, empresas industriais, etc), para podermos criar mais-valias que nos trazem melhores condições de vida a todos e de forma sustentada.
Terminar com a existência dessas máquinas a que se resolveu chamar Centrais Sindicais. Estão desactualizadas, são ineficazes, sorvem recursos escassos, não conseguem alcançar benefícios para a mole que deles realmente necessita, tão-só os alcançam para quem delas – centrais sindicais - não necessita.
Que se promova o associativismo na nação portuguesa. Nas áreas de residência, nas de exploração das respectivas actividades económicas e nas demais áreas sociais, em geral, para que cada um, em cada uma, se sinta incluído na nação, e que nela não entrem os que deviam estar excluídos – os oportunistas e os criminosos – ou, pelo menos, se tenha conhecimento onde eles andam.
Basta que a constituição seja a Carta que a Nação quer para ela, e não um texto cheio de lugares extra-constitucionais, de divisão e de consagração de portas que permitem iniquidades.
4 - Queremos leis que facilitem a vida a todos, por respeito natural a todos, incluindo muito em especial aqueles que foram vítimas de crimes, mas também as que regulam o resto da vida de todos nós. Leis que sejam simples, sem alçapões intencionais para artifícios dos espertos e dos que podem pagar, sem dificuldade, uma justiça que deveria ser paga apenas por quem perdesse as acções judiciais, porque a justiça é um dos bens que tem que ser obrigatoriamente de interesse público, e não somente de interesse económico-financeiro, a ser prosseguida pelo Estado para o Estado.
5 - Vai ser necessário defender o nosso território, não na perspectiva bélica, que neste momento nem com as canetas podemos (mas seria melhor pensar nela), mas do ponto de vista económico, em sentido muito amplo, e para isso apenas necessitamos de recursos humanos que apliquem o que de melhor as suas inteligências podem produzir.
Não entrar em lirismos de poupança na despesa pública, só porque sim ou porque é moda. Como exemplo, misturar a cultura aduaneira com a fiscal, debaixo de um DG com uma dúzia de Sub-DGs, foi do mais bacoco que se podia imaginar. Continuar esse caminho, muito em especial no momento que estamos e que vamos, ou podemos com muita probabilidade, vir a atravessar, raia o pior que a ignorância, ou a má fé, podem ditar.
Somos um país a gerar poucos recursos financeiros. Logo, os que existem têm que ser aproveitados da forma mais inteligentemente racional que for possível. Os esforços para gerar recursos financeiros públicos têm que ser equitativos e gerais, com mecanismos de avaliação do esforço de cada um montados de forma sistemática e automática, reduzindo à margem da insignificância o uso do Xico-espertismo na área fiscal e na área empresarial de montagem de empresas ecrã ou de ficção. Ir buscar recursos onde ainda é possível, de forma justa e socialmente aceites sem, ou com pouca, resistência (e ainda os há), desde que isso seja criado para os reduzir nas áreas onde os que os suportam já estão dobrados pelos calcanhares.
Não fazer pela divisão da comunidade, criando esgotamento das poucas forças, com lutas estéreis de uns, que pretensamente andaram e andam a receber mais do que deviam – mas nada fazendo para que a “empresa” pública, sob sua gestão e responsabilidade, racionalize a sua actividade, contra outros que, mais tarde ou mais cedo, também vão ser contagiados do mesmo mal.
6 – Embora o possa parecer com o que deixo escrito, não sou um nacionalista, ideologicamente falando, nem estou agarrado, de forma irreversível, ao conceito de Pátria, como limite territorial para os povos se auto-organizarem. Mas acredito que, em momentos de tanta incerteza no futuro, onde se podem ler e ver caminhos para onde nos atiram aqueles a quem nos juntamos, há que regressar ao ponto de união inicial, re-reforçá-lo e criar forças para, depois, vermos o que fazer.
7 - Desculpem tanto arrazoado mas, às vezes, dá-me para isto, embora vos tenha poupado bastante até agora.
A quem chegar a leitura a esta linha sem ter saltado linhas, o meu obrigado e os meus parabéns por tanta paciência.
Prometo não voltar com mais textos de cariz político, pelo menos, nos próximos tempos.